Desde
o início dos tempos, além de sua presença em rios, lagos e oceanos, a água é
tida como um símbolo de limpeza espiritual, um elemento utilizado em ritos de
purificação e passagem de diversas culturas e religiões, como o Cristianismo, o
Judaísmo, o Islamismo, o Hinduísmo, o Xintoísmo e Wicca.
É considerada fonte inesgotável de vida,
símbolo de renascimento, elemento cuja pureza é capaz de lavar o corpo e
purificar a alma.
Seja
no batismo cristão, onde o fiel rejeita o pecado original e recebe vida nova
por meio da imersão, seja no Islamismo, onde os fiéis se lavam antes de entrar
na mesquita para fazer sua oração, e lavam as mãos antes de tocar o Alcorão, ou
seja em um funeral Budista, a água está presente e tem a sua importância,
dentro das particularidades de cada crença, cada fé.
Em alguns folclores ao redor do mundo, alguns seres sobrenaturais tem algum tipo
de problema com a água, principalmente os vampiros. Em seu famoso romance Drácula,
Bram Stoker disse, por meio de seu
personagem Van Helsing, que os vampiros não podem cruzar a água corrente, a
menos que seja na maré baixa; provavelmente Stoker
se baseou em uma antiga lenda grega, segundo a qual, um grupo de vampiros foi
banido para uma ilha chamada Therasia,
no grupo Santorini. Os monstros foram
banidos para lá pelas orações de um
bispo Pio da Ilha de Hydra, onde
estavam localizados anteriormente. Reza a lenda que, quem passasse perto da ilha
à noite, ouviria estes seres amaldiçoados caminhando em agitação pela praia, por
não poder atravessar a água salgada.
Em
seu livro “O Manual Prático do Vampirismo”, Paulo Coelho e Nelson Liano
Jr. fornecem uma explicação a respeito dessa aversão:
"Todo elemento que se renova
constantemente, envolvido pelo poder do Criador, é letal para o vampiro; a
transparência é uma terrível inimiga, pois, a sua energia vem das raízes que
frutificam o mal.
Dessa forma, todas as nascentes da
natureza representam as forças opostas ao seu domínio.
A explicação é que, tudo que brota
naturalmente na terra, o faz para transformar-se, depois de um tempo, em outro
tipo de matéria, o que significa a morte. O vampiro luta exatamente contra essa
renovação.
Para ele, a eternidade significa a
preservação do seu corpo, através da sucção de outros, o que representa o
poder de vencer o tempo que envelhece a matéria.
Dessa maneira, irá adquirindo sabedoria
capaz de eternizar o mal, modificando para seu benefício as leis que regem o
planeta, onde pretende reinar absoluto sobre todas as coisas."
Outra possibilidade
para explicar essa antipatia dos vampiros pela água, está no fato da superfície
da mesma funcionar como um espelho. Assim como o espelho, a água reflete aquilo
que verdadeiramente somos. Algumas lendas dizem ser a imagem que vemos no
espelho ou na água o reflexo de nossa alma. Na maioria da lendas, por não ter
mais alma, o vampiro, de um modo místico, não possui reflexo. Talvez por isso
esses seres noturnos, de acordo com algumas lendas, odeiem a água, assim como
odeiam o espelho.
Também há relatos de
que antigamente, em alguns lugares do mundo, como Rússia, Alemanha e Prússia, o
cadáver de um suspeito vampiro, um criminoso, por exemplo, poderia ser jogado
em um rio ou lago, para evitar que se transformasse em um morto-vivo
sanguessuga. Do mesmo modo, água normal, ou utilizada no sepultamento do
suspeito vampiro poderia ser derramada sobre a sepultura do mesmo, para que ele
não se erguesse da tumba à noite. E há ainda a lenda de que, se um parente do
suspeito vampiro despejasse água no caminho entre o cemitério e a casa do
falecido, caso o mesmo retornasse dos mortos, não seria capaz de voltar para
casa e assombrar os seus.
Entretanto, embora
tenhamos falado de sua importância como símbolo purificador dentro das várias
religiões, é necessário esclarecer que a água utilizada como um sacramental, um
auxílio para proteção contra o Mal, é algo exclusivo da Igreja Católica para a
qual, com o tempo, a água perdeu seu sentido simbólico e, assim como o fogo,
adquiriu uma série de conotações sobrenaturais.
A água santificada por
um sacerdote para fins como batismo, abençoar pessoas, objetos ou lugares, ou
repelir o mal, é chamada de abençoada, ou mais comumente, de água
benta. Ao ser abençoada pelo sacerdote, a água deixa de ser apenas um
símbolo e adquire propriedade sagrada inerente, já que será usada para ritos
religiosos.
É muito utilizada em bênçãos para recuperação
de saúde física e espiritual, exorcismos, ritos funerários, afugentar animais
daninhos e enfermidades, e evitar distrações na oração, bem como rechaçar os
demônios e desfazer suas artimanhas.
Na cultura popular, a
água benta ganhou seu espaço nos livros, filmes, seriados e jogos, como
poderosa aliada contra as forças do mal, indispensável no kit de qualquer
caçador de monstros que se preze. Não raro nos filmes e contos, um caçador
banhava sua estaca em água benta para maior eficácia na hora de golpear com ela
o coração do vampiro.
Como foi consagrada a
Deus pelo sacerdote por meio de uma oração, a água benta possui poder divino
contra as criaturas das trevas. Repele seres como vampiros, demônios e
lobisomens, e pode ser usada no exorcismo de lugares e dissipação de Poltergeists.
Diz-se que esses vidros com água benta contém fantasmas aprisionados em seu interior.
Ela tem o poder de
queimar, marcar e destruir as criaturas, principalmente os vampiros, embora
geralmente não seja letal, por ser usada em pequenas quantidades. Em contato
com a pele dos seres sobrenaturais, a água benta tem efeito corrosivo, igual ao
ácido quando respingado em humanos.
Curiosamente Bram Stoker não fez uso da água benta em
Drácula, mas a hóstia consagrada e o
crucifixo estavam presentes entre as armas para combater o vampiro. Na
literatura fantástica brasileira, em seus livros, o autor André Vianco faz com que seus heróis utilizem amplamente a água
benta na luta contra os vampiros.
Nos videogames ela é
um recurso também bastante empregado, como na série Castlevania, já que os
protagonistas Belmont são guerreiros
pertencentes a um clã de caçadores de monstros, principalmente vampiros. No
jogo Clock Tower 3, lançado para Playstation 2, a jovem protagonista Alyssa, usa água benta para atrasar os malévolos fantasmas que a
perseguem ao longo da macabra aventura.
Nos seriados e no
cinema, também a encontramos em várias situações. Edgar Frog, caçador de vampiros dos
filmes Garotos Perdidos, faz uso de
uma bazuca que lança bexigas com água benta, as quais tem o efeito de estourar
a cabeça dos vampiros.
Edgar Frog e sua "Baby"; uma bazuca feita por ele, capaz de disparar balões cheios de água benta e explodir as cabeças dos vamps.
Blade e Constantine já abençoaram a água que sai
dos encanamentos na iminência de incêndio, provocando uma chuva benta sobre
vampiros e demônios. Também no filme Constantine, a água servia como elemento essencial para que se pudesse viajar desse plano para o inferno, e vice-versa.
Nos seriados, temos Buffy, por exemplo, e Sobrenatural, onde a água benta é
fundamental para os Hunters na luta
contra os demônios. Sam e Dean sempre trazem consigo uma garrafa
com o líquido abençoado; o pai deles, o grande caçador John Winchester, também lançou mão deste pequeno auxílio divino,
usando a água benta para atrasar os demônios Meg e seu irmão Tom que o
estavam perseguindo porque ele os enganara, levando uma Colt falsa ao ponto de encontro, ao qual John fora obrigado a comparecer por estar sendo chantageado pelos
monstros.
E por falar em John Winchester, aprenderemos com ele
agora como abençoar a água para enfrentar os seres das sombras. O trecho a
seguir foi extraído do Diário de John
Winchester, onde está reunido todo o conhecimento do caçador sobre o Mal; é
esse o diário ao qual muitas vezes Sam
e Dean recorrem ao longo da série
para descobrir com qual tipo de inimigo estão lidando. Vejamos o que John nos ensina:
“-
Eu soube que você pode
fazer a consagração com um rosário, uma cruz ou outro objeto sagrado. Diga o
seguinte à água:
Exorcizo te creaturam
aquae in nomine Dei patris et Jesu Christi Filii ejus Domini nostri, et in
virtute Spiritus Sancti; ut fias aqua exorcizata, ad effugandam omnem
potestatem inimici, et ipsum inimicum eradicare et explantare valeas, cum
angelis suis apostatis, per virtutem ejusdem Domini nostri Jesu Christi, qui
venturus est judicare vivos et mortuos, et saeculum per ignem, Amen. Oremus:
Deus, qui ad salutem
humani generis máxima quaeque que sacramenta in aquarum substantia condidisti,
adesto propitius invocationibus nostris, et elemento huic multimodis
purificationibus praeparato, virtutem tuae benedictionis infunde, ut creatura
tua mysteriis tuis serviens, ad abigendos daemones, morbosque, pellendos, divinae
gratiae sumat effectum; ut quicquid in domibus, vel in locis fidelium haec unda
resperserit, careat omni immundicia, liberetur a noxa, non illic resideat
spiritus pestilens, non aura corrumpens, discedant omnes insidiae latentis
inimici, et si quid est, quod aut incolumitati habitantium invidet aut quieti,
aspersione hujus aquae effugiat, ut salubritas per invocationem sancti tui
nominis expetita ab omnibus sit impugnationibus defensa, per Dominum nostrum
Jesum Christum Fillium tuum, qui tecum vivit et regnat, in unitate Spiritus
Sancti Deus per omnia saecula saeculorum, Amen.”
- Em situações de
emergência, você pode pular de ‘exorcizo te’ para o ‘per Dominum nostrum Jesum.’
Eu tentei. Dá certo.”
É
recomendável que a água benta que por acaso sobrar não seja jogada fora, mas
despejada na base de uma planta.
O
Diário de John Winchester – Alex Irvine
A
Enciclopédia dos vampiros – J. Gordon Melton
Wikipédia